Entrevista a Bernardo

12-06-2020

A entrevista que se segue é sobre um rapaz incrivel, com uma história fascinante. Transexualidade é o tema desta incrivel entrevista. Apresento-vos agora o Bernardo. 



1. Quem é o Bernardo?

R: O bernardo é um rapaz em constante transformação e evolução. É alguém que tenta ao máximo aproveitar todas a experiências que a vida proporciona. Não deixo de ser uma pessoa insegura e com medos, no entanto nunca me deixei levar pela imposição da sociedade.

2. Quem é o Bernardo do passado?

R: Ainda estou a aprender a ser o Bernardo, sendo ainda recente não dá ainda para explicar muito bem o Bernardo do passado. Consigo apenas dizer que no último ano, desde que o Bernardo apareceu muita coisa mudou na minha vida e talvez isso tenha servido para me transformar enquanto pessoa.

3. Nesta mudança de rapariga para rapaz, o que mais te tem custado?

R: O tempo de espera de todo o processo, isso faz com que muitas vezes olhe para o espelho e sinta uma certa frustração por já ver algumas mudanças, mas ainda não serem suficientes. Por exemplo em alturas de verão, o ano passado não fiz praia nem piscina porque a ideia de ter de vestir um bikini me deixava completamente frustrado, não pelo que as pessoas podiam pensar, mas pela forma como ia olhar para mim.

4. Esta decisão foi fácil para ti ou seguiste consultas de psicologia?

R: A decisão não foi fácil de ser tomada, demorei muito tempo até ganhar coragem para o fazer, continuo a fazer seguimento em psicologia/psiquiatria. Muitas vezes penso que tomei a decisão muito tarde porque me deixei levar por opiniões alheias. As consultas foram e continuam a ser um grande suporte principalmente para encarar as mudanças

5. Com que idade soubeste que querias mudar de sexo?

R: Por volta dos 13/14 anos já me passava pela cabeça essa hipótese. No entanto já em criança o meu pensamento dava sinais disso. Não conseguia entender porque havia separações de rapazes e raparigas, porque que havia coisas que eu por imposição da sociedade não poderia fazer e lembro-me que sonhei várias vezes se as coisas seriam diferentes se tivesse nascido rapaz.

6. Este processo de mudança, quanto tempo dura?

R: Depende muito da disponibilidade do SNS, ou se for feito em privado, o que acarreta um custo maior.

7. Quantas fases tem esta transformação?

R: Depende onde for feito, no meu caso passei por uma avaliação psicológica, exames médicos, comecei o tratamento hormonal há cerca de 8 meses e o próximo passo é enviar os relatórios de avaliação médica para a ordem dos médicos para poder avançar para a parte cirúrgica.

8. Qual foi a primeira reação da tua família, quando contaste que irias mudar de Liliana para Bernardo?

R: Tive pessoas que encararam muito bem, outras menos bem. Os mais difíceis foram os meus pais, mas acabaram por se habituar e hoje já lidam bem com a situação e fazem um esforço para acompanhar cada mudança.

9. Como é ser bombeiro nesta fase de confinamento?

R: É ter o coração nas mãos todos os dias, não tanto por mim, mas principalmente pelas pessoas que me rodeiam. É perceber que nem toda a gente respeita o nosso trabalho, mas mesmo assim continuar todos os dias na luta.

10. O que sentes quando ainda te chamam por Liliana?

R: É um misto de sentimentos, tenho consciência que há pessoas que não conseguem entender. No entanto por vezes é frustrante. Embora compreenda que para algumas pessoas seja difícil pois habituaram-se por mais de 20 anos a chamar-me Liliana, mas tento de algum modo incutir-lhes a sensação de mudança

11. Quem era a Liliana?

R: A pessoa que era a Liliana é a mesma pessoa que é o Bernardo, sempre fiz questão de manter a minha visão do mundo e os princípios que me movem diariamente. Sempre fui uma pessoa muito independente, mas sentia que me faltava algo e agora descobri. A Liliana tinha o grande problema de não saber dizer não às pessoas, talvez por sensação de falta de preenchimento. Fui aprendendo a gerir isso e tenho consciência que me fez crescer muito e principalmente perder o medo de avançar com os objetivos da minha vida

12. O que fazias antes de o Bernardo ter "nascido"?

R: Fazia o mesmo de agora, a minha vida sempre foi muito rotineira devido ao trabalho que tenho. Joguei futebol durante muitos anos, que era a minha grande paixão, mas devido a um acidente nos bombeiros tive de deixar de o fazer.

13. Quem é a tua maior ancora?

R: Tenho pessoas que nunca deixaram de estar ao meu lado, algumas que já existiam na era da "Liliana" e outras que só conheceram o Bernardo, mas no meio disto tudo tenho as minhas miúdas que sem dúvida são a minha grande força. Acho que quaisquer pessoas precisam de alguém a seu lado para vivenciar todas as experiências de vida.

14. Já foste renegado pela tua família pelas tuas escolhas?

R: Não conheço bem a visão de toda a minha família sobre isto por isso não consigo saber se alguém é contra ou não. Mas acredito que haja sempre as opiniões que não se enquadram com esta escolha.

15. Já te olharam de lado na rua por seres transexual?

R: Sim já, embora eu não ligue para opiniões alheias não deixo de reparar nisso e nas expressões que as pessoas fazem.


16. Sentiste desde sempre que nasceste no corpo errado?

R: Desde bem cedo que sentia isso. como já expliquei anteriormente acho que sempre me fez confusão as ideias que me eram incutidas por ser rapariga.

17. Sofreste de Bullying?

R: Nunca sofri, ou pelo menos, nunca reparei que o estariam a fazer, se calhar pela forma descontraída como encaro as coisas.

18. Já chegaste a chorar sozinho?

R: A maior parte das vezes que chorei na minha vida foi sozinho, posso afirmar que são escassas as pessoas que o presenciaram. Não que me sinta fraco por chorar em público, mas porque acho que é algo mesmo muito pessoal.

19. Ainda tens sonhos antigos que queiras realizar?

R: Sim tenho, gostava de voltar a jogar futebol, apostar pelo menos numa licenciatura. Ainda não desisti desses sonhos.

20. Já pensaste alguma vez que estavas a mais na vida de alguém?

R: Sim já e não é de todo agradável. E nessas situações acabo por inconscientemente me afastar.

21. Consideras-te um participante na rede LGBT?

R: Sem a menor dúvida, mesmo antes de avançar para a mudança de género, assumia-me como bissexual e não é por me transformar num homem que vou deixar de ser quem sou. Costumo dizer que não gosto nem só de mulher nem só de homens, gosto de pessoas.

22. O que vai no teu coração neste momento?

R: Apertadinho, porque tenho de cumprir uma série de regras de segurança para não pôr em risco as pessoas e porque com isto tudo do Covid-19 acabaram por ficar pendentes vários objetivos importantes, nomeadamente a carta de condução e o processo de mudança. Alguma ansiedade porque se está a aproximar o verão e tenho receio de não conseguir lidar novamente com a frustração.

23. Gostavas de criar uma família?

R: Sempre foi e continua a ser um objetivo meu. quero se for possível ter mais filhos, nem que seja por adoção.

24. Quando terminar esta mudança, qual será a primeira coisa que vais fazer?

R: Acho que ainda não penso muito nisso, talvez porque ainda ter um longo caminho a percorrer. Mas a partir do momento em que tiver tudo concluído vai ser começar uma vida nova, com uma adaptação diferente, tenho de aprender a ser 100% Bernardo, física e emocionalmente.

25. Fazes questão de que as pessoas saibam da tua história?

R: Sim faço, primeiro porque não tenho de esconder quem sou e depois porque posso ajudar as pessoas com o meu testemunho. Sou muito transparente quanto a isso.

26. Tens algum conselho para dar a alguém que está na mesma fase que tu?

R: Não é fácil passar por isto, mas acima de tudo temos de pensar em nós mesmos e sentir que estamos a viver a vida certa. Que não desistam de lutar por aquilo que querem.

27. Termino esta entrevista com uma pergunta que está nas minhas cartas: "Vamos finalmente cultivar a riqueza, os afetos e com o coração quente derreter o gelo? Será que temos coragem para isso?"

R: Cada pessoa tem o seu lado bom e mau, cabe a cada um seguir o que diz o seu instinto e praticar o que é melhor. A coragem está na alma de cada um e com mais ou menos força todos podemos contribuir para isso. Espero do fundo do coração que a sociedade em geral tenha aprendido realmente algo com esta pandemia e que possa aproveitar para refletir a sua postura perante o mundo.


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