Entrevista a Rafael Ferreira

02-05-2020


A entrevista que aqui segue é sobre um rapaz de nome Rafael. A história dele é um pouco diferente das histórias que estamos habituados. A entrevista relata homossexualidade, entre outros tantos pontos. 


AVISO: Todas as perguntas foram respondidas com 100% sinceridade. Estou aqui com todo o coração aberto.

1. Como é viver em 2 países diferentes neste momento?

R: A verdade é que agora eu não sinto muito a diferença. No início, quando eu me mudei para o UK tive de me adaptar a uma nova realidade. Tinha contas para pagar, um trabalho e os estudos.

Antes desta decisão eu não sabia muito bem o que ia fazer. Provavelmente estaria a trabalhar no meu último local de estágio.

Neste momento, quanto à situação do Covid, eu n sinto muito o efeito. É óbvio que foi de repente, mas consegui voltar para Portugal a tempo. Continuo a ter contacto com as pessoas que ficaram no UK, nomeadamente com os meus managers para ficar a par da situação do local onde trabalho.

2. Há alguma ligação com o teu passado, para seres quem és hoje em dia?

R: Eu acho que o meu passado moldou-me até hoje. Vivia de duas formas diferentes: sem a minha família sentia-me livre, e com a minha família tinha de me esconder. Mesmo depois de me ter assumido, nunca consegui ser eu ao pé da minha família, e por razões óbvias (pais conservadores e irmãs que não aceitam a 100%).

Tive também de crescer um pouco mais rápido. O meu pai tinha ido para o UK quando eu tinha 1 ano e meio, e eu meio que fiquei o homem da casa. Quando havia avarias e era preciso ligar para alguém, tinha de ser eu, quando recebíamos algum técnico em casa, tinha de ser eu, entre outras coisas que uma criança de 10 anos não sabe como fazer.

O meu passado fez-me a pessoa que sou hoje. Não tenho vergonha da pessoa que sou hoje. Sei que ainda tenho muito para crescer, mas também sei que tenho muita maturidade para a minha idade.

3. Quem é o verdadeiro Rafael?

R: Uma pergunta que nem eu sei responder. Acho que nunca me perguntei quem eu era. Acho que também não quero saber quem sou, e por uma razão uma simples, é difícil fazer outro alguém ficar. Será que é por eu não conseguir ser um bom amigo? Não acrescento nada a ninguém? Não sei, e não sei se quero saber.

Quando me olho ao espelho, não sei o que vejo. Vejo o físico. Por dentro? Vontade de uma vida diferente. Saudades de muita gente. Confusão.

Ouvir o outro, brincalhão, amor, sonhos e paixão são alguma palavras que eu acho que tenho dentro de mim, mas talvez não tenha e seja essa a razão por ninguém ficar.

4. Qual é o momento da tua vida, que te marcou mais até agora?

R: Tenho dois momentos que me marcaram. A morte do meu avô e o término do meu primeiro amor.

Lembro-me perfeitamente quando o meu avô morreu. Andava no 10º ano, uma quinta feira, tinha saído às 13h. Muitas chamadas da minha irmã e da minha mãe no telemóvel. Sabia que tinha acontecido algo, mas não esperava que fosse a notícia da morte do meu avô. Fui direto para o hospital. Com a morte dele ficou um vazio.

Quanto ao primeiro amor. Um amor que nunca se esquece e que se pensa que é para sempre. Foi um amor tóxico e acabou sem um porquê.

5. És persistente ou desistente?

R: Na verdade, acho que sou um pouco dos dois. Quando eu quero algo eu tento até conseguir, mas se chegar a um ponto em que sinto que não vai resultar desisto. Mas o meu instinto é persistir e acreditar até conseguir.

6. Como te vês no futuro?

R: Tenho muitos sonhos para o futuro. Quanto a estudos, quero terminar a licenciatura que estou a tirar agora, tirar um mestrado nesta mesma área e uma especialização. Quanto a carreira profissional, atualmente estou num posto de trabalho que me agrada muito. Nunca tinha trabalho nesta área, e a verdade é que estou a adorar. No final da Licenciatura, ainda muito incerto, provavelmente ficarei uns anos no UK a exercer a profissão que exerço atualmente e depois voltar para Portugal para prosseguir estudos ou iniciar uma nova carreira.

7. O que te faz rir?

R: Sou uma pessoa de riso fácil. Pessoas fazem-me rir. Uma piada faz-me rir (até aquelas sem piada). Vídeos fazem-me rir. Tudo na vida me faz rir.

Sempre ouvi dizer que rir faz bem à saúde, então eu levo a vida a rir.

8. Será que para ti a palavra "para sempre", existe ainda no teu vocabulário?

R: A expressão 'para sempre' existiu sempre no meu vocabulário, só não sabia o significado certo dela. Hoje sei o que significa e raramente a uso. Eu dizia que tinha amizades que eram 'para sempre' porque na altura o pareciam, a verdade é que quando se prova uma amizade, mostras se é para sempre ou não. Família pode não ser 'para sempre'. Família pode ser 'foi até um dia'. Não é por termos o mesmo sangue que vai ser 'para sempre', se não tiveres as atitudes certas será 'foi um dia'.

Hoje digo 'para sempre' aos meus animais. Porque os amo e os carrego no meu coração. A alguns amigos que já provaram ser 'para sempre'. A mim mesmo (com muito trabalho pela frente). Muitas poucas coisas são 'para sempre'.

9. Acreditas que o mundo dá voltas?

R: Eu acho que tudo acontece por uma razão. Eu sei que as tuas atitudes um dia vão receber algo em troca, nisso eu acredito. Agora se é obra o destino, não sei. Acredito que tudo aconteça para te fazer crescer, para tu amadureceres. Mutas vezes diz-se que só cai no mesmo erro duas vezes quem quer. Na minha opinião isso não é bem verdade. Se cometes o mesmo erro duas vezes, é porque ainda não aprendes-te a lição certa.

10. Se pudesses escolher um filme que te caracterizasse, qual seria? Porquê?

R: Pergunta difícil. Eu acho que não terei um filme. Eu teria uma mistura de filmes. Seria 'Love, Simon' devido à história de amor que a personagem vive, um amor desconhecido; 'Call me by your name', o amor impossível que as personagens vivem, meio que todos os meus amores serão impossíveis para a minha família; e 'The Theory of Everything', com a persistência que a personagem coloca para atingir o seu objetivo final.

11. Preferes viver o teu amor de sonho por um dia ou viver o teu amor de sonho, mas só em sonhos?

R: Vivê-lo em sonhos. Ao vivê-lo em sonhos eu posso criar toda a história que eu quiser. Posso criar a história desde o início e sem um fim. Vivê-lo um dia não me parece suficiente. É pouco. Deixa de ser um amor de sonho. Vai ser banal um dia mais tarde.

12. Completa: 

Uma música? Não sou muito de ouvir música, mas secalhar 'Jura Juradinho' das cantoras Carol & Vitoria. Essa música pela mensagem que ela passa. O meu lado romântico e lamechas.

Um livro? 'Call me by your name', e simplesmente pela história que o livro transmite.

Um filme? 'The Theory of Everything', igual ao motive anterior. A história e a persistência do personagem.

Uma aplicação? Instagram e TikTok. Duas aplicações que te permitem ser quem tu és, sem medos e sem receios.

Um país? Portugal, será sempre o meu país de coração.

13. Tens algo para me dizer, e por receio não o fizeste?

R: Tu sabes que eu te digo tudo na hora. Tu sabes que eu te admiro, e muito. Que me inspiras. Que te levo no coração para todo o lado que vou. Uma amizade para sempre. Rúben, se eu te pudesse pedir uma coisa em toda a minha ida, e essa seria a única coisa que eu te podia pedir, era para nunca deixares de ser a pessoa que és.

14. Como é viver sendo gay, sabendo que ainda existe muita homofobia?

R: Eu sei que ainda existe muito preconceito, seja de pessoas de gerações mais antigas ou da nossa geração. Eu já ultrapassei esse preconceito. Aprendi a viver com isso, com o facto de que as pessoas não me iriam aceitar, apesar de ainda hoje viver com preconceito.

Desde que saí da casa dos meus pais deixei de o sentir. Pude passar a ser eu mesmo, sem ter de esconder uma parte de mim, da qual me orgulho muito. Há uma frase que o Manuel Luís Goucha disse que eu nunca mais me esqueci, 'É preciso ser-se muito homem para se ser gay', isso é verdade, mas aos olhos da sociedade, somos pessoas que escolheram ter de passar por preconceito, ter de lutar pelo nosso lugar na sociedade e pelo nosso respeito.


15. Tens medo de sair à rua?

R: Nunca tive medo de sair à rua. 'Assumi-me' (é complicado de explicar) à minha família apenas à 2 anos atrás. Enquanto estava no armário, usando a expressão popular, sempre escondi essa parte de mim, de toda a gente. Na escola, a partir do 8º/9º ano, comecei a assumir-me aos meus amigos. Não tinha vergonha de dizer isso.

Eu acho que não tenho medo de sair à sua devido à 'capa' que eu inconsciente criei para não sofrer com ataques homofóbicos, já chegavam os comentários da minha mãe em casa, mesmo antes de ela o saber.


16. Já sofreste violência psicológica ou mesmo física por seres quem és?

R: Não sofri violência. Não o considero violência.

Fora de casa, a imaturidade das pessoas, da minha geração, ao criticarem qualquer um que seja homossexual ou bissexual. Ainda é um assunto Tabu na sociedade. Fala-se da homossexualidade, mas 90% das vezes fala-se com comentários negativos. É difícil para as pessoas entenderem que amor não existe só de uma forma.

Por outro lado, os comentários de uma mãe que teve o choque de ter um filho homossexual. 'Não me importo que os outros o sejam, mas ter um filho assim, seria um desgosto', essas são as palavras que ouvia da minha mãe. A objetificação da homossexualidade. Depois de 'me assumir', esses comentários foram cada vez menos. Ainda existem, mas cada vez menos. Atualmente tenho a capacidade de brincar com a minha mãe sobre isso. Ela continua a não aceitar, e eu desconstruo os cometários dela para que ela perceba que sou tão normal como qual quer outro rapaz.


17. Tens algum apelo a fazer as pessoas que já passaram pelo que tu passaste ou que ainda estão a passar?

R: Isso é difícil de responder. Cada um tem uma história de vida, uma história por trás da sua homossexualidade. O máximo que eu posso dizer, é que temos de ter esperança que um dia, todas as gerações, vão-se respeitar.

Eu sempre disse que eu não quero que as pessoas me aceitem, não preciso disso. Não preciso da aprovação de ninguém. Eu gosto de mim tal como sou, e acho que todos devem começar por aí. Por se aceitarem a 100%. Hoje, percebi que o mínimo que eu posso pedir às pessoas é que se respeitem sem rótulos.


18. Foste renegado por alguém próximo, por ser homossexual?

R: Até agora sempre falei apenas da minha mãe, isso porque quando a minha mãe contou ao meu pai, a reação dele não foi a melhor, dizendo mesmo que me colocava fora de casa. Nunca falo desse assunto à frente dele, e tenho medo que falem com ele sobre isso.


19. Como achas qual é a visão das pessoas ainda hoje em dia, quando vêm 2 pessoas do mesmo sexo a se beijarem seja onde for?

R: Já respondi mais ao menos a essa pergunta anteriormente. Atualmente temos dois grupos de visões, as que respeitam e as que acham que a homossexualidade é uma espécie de doença.

É difícil para as pessoas respeitarem alguma coisa que não estão habituadas, fora dos padrões normais previamente estabelecidos pela sociedade.

Quando nascemos não sabemos o que esperar deste mundo, nunca pensamos nisso. A verdade é que todos passamos pelas mesmas etapas, uns com mais regalias do que outros, mas passamos por todas as etapas. Conhecemos pessoas tão diferentes, mas que no fundo têm uma coisa em comum, a felicidade.

Quando és heterossexual, segues a tua vida sem qualquer pergunta, nada te confunde, tudo é 'normal'. Mas no caso de um homossexual, quando descobre a sua homossexualidade, vive numa montanha russa de emoções. Está numa cima em direção ao cume, e mesmo antes de chegar lá, uma descida a pique que o confunde. Vão ser muitas quedas pela frente, e só ele pode enfrentar essas descidas.

Acho importante referir que todas as respostas a estas perguntas foram conforme a minha relação com a homossexualidade, e todo o caminho que tive de percorrer até lá chegar. Ainda tenho um longo caminho para percorrer, mas sei que serei capaz.


20. Acabo a entrevista com a seguinte pergunta das minhas cartas: Acreditas na diferença?

R: Acredito na diferença que podes fazer no mundo. Somos todos iguais, independentemente da cor, sexualidade, sexo ou religião. Cada um com as suas ideologias e aspeto. Mas acredito que o que podes acrescentar ao mundo é que faz a diferença. É o que te torna diferente.


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