Entrevista ao Músico Tiago Braga

26-06-2019

1-Hoje com 25 anos o que dirias ao Tiago do passado?

           R: Tanta coisa! Mas acho que a mais importante de todas seria para "não teres medo de seres quem és".

2-O que te fez seguir o caminho da música?

            R: Sempre gostei imenso de ouvir música e de cantar, sobretudo por influência do meu pai. Lembro-me de ser pequenino e ouvi-lo a tocar guitarra e tentar acompanhá-lo com uns instrumentos de brincar que tinha. Uns anos mais tarde entrei para o Conservatório e foi aí que percebi que a música era algo que queria fazer mais a sério. 

Também na mesma altura criei o eu canal no YouTube (sim, eu já fui YouTuber haha) e apercebi-me de que tinha pessoas a gostarem daquilo que eu fazia e a validarem a minha música, por isso não podia ser (muito) mau.

3-Quando eras mais novo passavas a tarde na sala a ouvir THE CORRS, RUI VELOSO e BRITNEY SPEARS qual deles eras mais fã ou te inspirou mais?

            R: Acho que aquele de quem era mais fã era, indiscutivelmente, a Britney. Costumo dizer, em tom de brincadeira, que foi ela que me tornou gay. Mas acho que quem me inspirou e influenciou mais musicalmente foram os The Corrs. E passar a minha infância a ouvir o Rui Veloso foi das coisas que mais me ajudou a desenvolver a escrita de letras em português anos mais tarde. 

4-Em 2014 recebeste um convite coletivo de "TANTO DI CAPELLO" quando recebeste a proposta o que pensaste primeiro?

            R: Que era um esquema da máfia para me raptarem! Haha, estranhei o convite e fiquei com algum receio porque na altura eu não era ninguém. Não é que hoje em dia me considere alguém, mas na altura era mesmo um perfeito desconhecido no mundo da música. 

Aquela foi a minha primeira proposta profissional no mundo da música e por isso nem conseguia acreditar que aquilo fosse verdade. Mas foi, e ainda bem que fui. Porque ir para um outro país, sozinho, de mala feita para gravar um single, foi das experiências mais incríveis que já tive.

 5-Quando gravaste o teu primeiro single "Still In Love With You" em 2014 na sequência do convite do coletivo, o que pensaste antes de enviá-lo para o Youtube? Pensavas que iria ter o sucesso que alcançou?

      R: Estava super entusiasmado claro, porque era o primeiro single que tinha gravado de forma mais profissional. Todos os meus singles anteriores tinha sido eu a gravar e a editar no meu quarto com o meu computador, de forma super amadora. O "Still In Love With You" foi o primeiro single em que tive uma equipa de profissionais a trabalhar comigo, por isso estava mesmo muito ansioso mas ao mesmo tempo tentei não criar muitas expectativas para não ficar desiludido se a música não batesse como eu, na altura, queria que batesse. Mas na altura, para o following que eu tinha, acho que superou as espectativas! 

6-Em 2015 lanças o teu primeiro single em português "Amor (Já Cá Não Mora)" e em 2017 lanças a música "Inverno". Achas que manter o percurso em português de alguma forma foi um desafio para ti?

           R: Foi, sem dúvida! Porque eu desde 2010, quando criei o meu canal no YouTube e comecei a dar os primeiros passos naquilo que viria a ser a minha carreira, sempre tinha feito tudo em Inglês! Os vídeos eram de músicas inglesas, eu falava em inglês nos vídeos, nas redes sociais, era tudo feito em inglês. E, parecendo que não, na minha opinião é muito mais difícil escrever uma boa letra em português do que inglês. Porque no português muito facilmente se cai para o "azeiteiro" como costumo dizer. Por isso sim, tendo em conta que tinha passado os últimos 6 anos a fazer tudo em inglês, lançar o "Amor (Já Cá Não Mora)", o meu primeiro single e português, foi um desafio enorme na altura.

7-Antes de lançares em 2018 a música "Ilusão" já te tinhas assumido gay sem ser publicamente?

          R:  Sim, já. Praticamente todos os meus amigos e família sabiam. E havia muita gente fora do círculo de pessoas que me eram chegadas que também sabia, porque eu não fazia propriamente questão de o esconder.

8-Ao te assumires gay publicamente qual foi a reação das pessoas ao teu redor?

           R: A reação das pessoas ao meu redor foi de apoio, elas já sabiam que eu era gay por isso não tiveram propriamente uma reação de surpresa ou choque. Mas acho que ficaram contentes por eu já estar confortável para dar o passo de me assumir publicamente.

9-Quando foi que te apercebeste que eras, desculpa a expressão, "diferente"?

           R: Confesso que não gosto nada dessa expressão, mesmo! Porque eu não me considero diferente! E acho que quem tem uma orientação sexual fora daquilo que é heteronormativo não é "diferente". Eu era diferente se fosse singular. Ser gay é dificilmente alguma coisa singular, o mundo está cheio de bichas (e ainda bem). Mas, respondendo ao que interessa, penso que me apercebi verdadeiramente da minha sexualidade por volta dos 15 anos. Eu já suspeitava, mas só quando tive o meu primeiro namorado, precisamente aos 15, é que o "ser gay" se tornou uma realidade para mim. 

10-Que conselho dás às pessoas que hoje ainda têm medo de se assumir devido aos seus familiares ou mesmo medo do que possam pensar deles?

           R: Depende do contexto familiar em que as pessoas se inserem, acho. Se são menores de idade ou se dependem financeiramente dos familiares com quem vivem, e se esses familiares terão provavelmente uma reação extremamente negativa (ou até mesmo violenta), acho que devem ponderar bem a decisão e perceber se vale a pena contar já. Às vezes é melhor esperar uns anos até se ter mais maturidade e independência (seja ela emocional ou financeira) para fazer o "coming out". Infelizmente, chegam-me imensas histórias de menores que foram expulsos de casa dos pais por serem LGBT+. Inclusive tenho amigos que o foram. Por isso, da experiência que tive com amigos, acho que muitas vezes mais vale esperar até ser a altura certa. 

Claro que, no caso de pessoas que acham que os familiares vão aceitar, já é diferente. Claro que esta devia ser a realidade de toda a gente, mas infelizmente ainda não o é. Isto é um outro assunto que dava pano para mangas, mas resumindo, acho que no caso de famílias que são mais open-minded e não vivem presas no século passado, é mais simples. Não é que custe menos dizer as palavras, ou seja, não é mais fácil fazer o "coming out". Mas acho que tem um menor risco. Isto era um assunto que dava para escrever páginas e espero não estar a ser mal interpretado, mas, em qualquer um dos casos, o melhor conselho que posso dar é para não terem pressa de fazer o "coming out". 

As coisas fazem sentido no momento certo. Quando esse momento chegar e sentirem que estão preparados, façam-no. Mas não criem demasiada pressão desnecessária. Ser LGBT+ no mundo em que vivemos já é pressão suficiente. 

11-Quando te assumiste gay pensaste alguma vez que não irias ser aceite de alguma forma e que tudo iria mudar?

          R:   Eu acho que não tive esse pensamento quando me assumi como gay. Tive claro, como acho que todos temos, quando estava no armário e nunca tinha sequer dado um beijo a um rapaz porque morria de medo com a ideia de sequer o experimentar.Mas, quando me assumi, não posso dizer tenha sentido isso porque foi um processo evolutivo. Mesmo quando me assumi aos meus amigos chegados e família, não foi a todos de uma vez. Fui contando aos poucos, a uma pessoa de cada vez. Por isso tive tempo para processar e assimilar as coisas com calma e reflexão. 

12-Este ano lanças "Dois A Perder", um tema que retrata uma relação tóxica e cujo vídeo foi gravado com um ex-ator dos "Morangos Com Açúcar". Estavas à espera de comentários maliciosos como do Jornal de Notícias?

           R: Não, confesso que todo o drama do Jornal de Notícias apanhou-me completamente desprevenido. Eu estava à espera de ter algum mediatismo adicional com o vídeo, pelo facto de retratar com tanta naturalidade uma relação gay. Se pensarmos bem, as cenas que estão no videoclipe do "Dois A Perder" são muito mais moderadas do que 70% dos videoclipes da indústria pop musical das últimas décadas. Mas como esses 70% são videoclipes com um rapaz e uma rapariga, tá tudo bem. E eu sabia que havia muita gente que não estava preparada para ver uma relação gay retratada daquela forma.

 Mas não estava à espera que um órgão de comunicação como o Jornal de Notícias, e tantos outros que difundiram artigos do género, pegassem numa coisa que foi feita com intuito e valor artístico e a distorcessem para fazer parecer que se tratava de um vídeo pornográfico. Não tenho nada contra a pornografia, pelo amor de deus britney, todos a consumimos. Mas o sexo pornográfico é gratuito. 

As cenas sensuais (e eu faço sempre questão de dizer isto desta forma porque não são cenas de sexo) que estão no videoclipe do "Dois A Perder" não são gratuitas. Estão lá por uma razão: para justificar a dependência que os dois personagens desenvolvem um pelo outro. Para ilustrar o sentimento de paixão veloz que todos já sentimos. Fazem sentido para preparar o espectador para a história que é contada e para enquadrar quem vê o videoclipe no universo de sentimentos dos dois personagens. Sem essas cenas, acho que depois o plot-twist (que não vou dizer qual é para não dar spoilers a quem ainda não viu) no final do videoclipe não teria tanto impacto.

13-Com a música "Dois A Perder" também retratas o que mais hoje em dia se vê e se ouve nos jornais. Já passaste por uma relação dessas ou só quiseste ajudar as pessoas a perceber quando devem parar?

         R:   Nunca passei por uma relação em que eu e um namorado meu tenhamos cometido um crime daqueles, não haha. Mas já passei por uma relação tóxica e destrutiva como aquela, sim. Foi precisamente sobre essa relação que escrevi o "Dois A Perder" e foi com ela em mente que me inspirei na história da Bonnie e do Clyde, o casal de gangsters americanos, para escrever o videoclipe. Mas acho que com o videoclipe quis fazer um pouco dos dois. Todos temos relações más, umas piores do que as outras. 

Coisas más acontecem a toda a gente. O que nos distingue é a forma como escolhemos lidar com aquilo que nos acontece. Claro que sofri imenso com essa relação, mas depois do luto decidi pegar em tudo o que me aconteceu e, para além de escrever canções, tentar transformar aquilo que passei em algo positivo. Nem que seja, tal como disseste, ajudar pessoas que possam estar numa situação semelhante a perceber quando devem parar.

14-Como um representante LGBT vais estar presente na parada dia 6 de julho no porto?

          R:  Deixa-me só deixar muito claro que eu fico sempre desconfortável quando me chamam de representante ou ativista. Eu não sou nem uma coisa nem outra. Eu sou um músico que quer dar visibilidade às histórias da comunidade LGBT+ na indústria da música. Mas chamar-me de representante ou ativista é desvalorizar o trabalho de muitas pessoas, esses sim verdadeiros representantes e ativistas, que fazem um trabalho muito mais importante do que o meu. Posto isto, se entretanto a minha agenda não mudar drasticamente por um motivo de força maior (uma pessoa tem que dizer as coisas desta forma porque a vida às vezes apanha-nos de surpresa), sim, claro!

15-Para finalizar, pedia que deixasses uma pequena mensagem para todos os leitores. Uma mensagem que aches importante.

  R:  Acho que a mensagem mais importante que tenho para deixar é aquela que diria ao Tiago do passado: nunca tenham medo de serem quem são, porque quem nós somos é tudo aquilo que temos. Eu sei que parece uma frase super parola, mas cada vez mais dou valor a estas palavras. 

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